Nem sempre duas vidas estão afinadas - leia-se: no mesmo "tempo" - ao se cruzarem.
Ele, jornalista recém-formado, chegou apressado do serviço. Os pés e calçado molhados pela chuva, que insistia em cair justo no final do expediente.
Ela, professora aposentada, estava na sala. Amargurada por uma briga com o marido que durou boa parte da tarde. O rosto estava pesado. Mas, pelo menos, os pés e os chinelos sequinhos.
Ele entrou pela mesma sala, desejou boa noite, jogou a mochila no quarto, foi correndo para o espelho secar o volumoso cabelo. Prometeu (pela milésima vez!) não esquecer o guarda-chuva em casa amanhã. Atravessou novamente a sala, entrou no quarto, abriu a mochila, pegou um cigarro e foi para a porta observar os raios no céu.
Antes do segundo trago, ela chegou com as palavras. Palavras sem nexo, sem pé nem cabeça, desordenadas. Falou da poltrona que ficava no quarto, que ela tinha pago a poltrona sozinha, que ia colocar a poltrona na sala. Depois emendou uma viagem rápida para São Paulo na Semana Santa. Queria que a família toda fosse, mas, se não desse, iria sozinha. Precisava espairecer. Falou de problemas que aconteceram com o casal há, no mínimo, dois anos atrás. Ressuscitou mortos, terminou de liquidar os feridos. Passou no assunto divórcio, em morar na casa debaixo (que hoje servia de escritório para o marido), falou dos computadores do escritório (- São um pouco meus, eu ajudei a pagar, oras...), das brigas, da falta de carinho, da falta de cumplicidade, da tristeza, e voltou na poltrona.
- Eu vou arrastar isso tudo aqui e essa poltrona vai vir pra sala! Ah, se vai!
E cansou de falar. Virou-se contra o sofá, apoiou o queixo nos ombros, os ombros no estofado, e fechou os olhos.
Ele continuava lá, estático. Sentado na porta, o cigarro acabando. Mas ouviu tudo com a atenção que lhe era peculiar: balançando a cabeça e murmurando, de quando em vez, "uhum".
"Será que ela quer opinião? Ou será que fui apenas um espelho? Por mim, que se separem! Melhor pros dois, tenho certeza. Mas não posso dizer isso."
Por via das dúvidas, levantou-se.
"Mesmo sendo nós dois aqui nessa sala, ela se sente só. Mesmo casada, ela se sente só... Deus, não quero jamais isso pra mim." - pensou, enquanto ia até a cozinha. Pegou um copo d'água, acendeu outro cigarro e desceu para o escritório. Já tinha feito a sua parte naquela estranha cena, ou, pelo menos, o que o seu "tempo" lhe permitia fazer. Naquele momento, precisava ser egoísta. E foi.
Naquela solidão a dois, ele tratou de dar um fim. Na outra solidão a dois, cabia somente a ela dar um fim. Mas o seu "tempo" dizia que era melhor não. Melhor esquecer. Melhor aceitar. Melhor rezar.
Talvez, por isso, os olhos tão cerrados.
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