segunda-feira, 5 de março de 2012

(30) Dias com Ela

E, então, ele passou o dia feliz. Feliz mesmo, como um garotinho que acabara de descobrir os encantos do primeiro amor. Tudo bem, aquele não era o seu primeiro amor. Mas era, porém, o seu primeiro amor bem sucedido.

Um mês de namoro... Quem diria? Logo ele que, até dois meses atrás, vivia vagando pelas madrugadas frias com a cabeça viciada de cerveja, sem ter um abraço quente e afetuoso para levá-lo para casa. E quando chegava em casa, então? Promessas e mais promessas de que seria sua última bebedeira, de que agora ele ia se ajeitar na vida e que ia, enfim, encontrar alguém, se livrar daqueles óculos enfadonhos que distorciam propositalmente sua visão de mundo para uma imagem que, embora não tão nítida, era melhor que a fria realidade. Promessas de fim de madrugada, apenas. Duravam exatos sete dias.

Mas hoje era diferente! O cara mais desacreditado do mundo (sim, até mesmo ele não acreditava que fosse possível) tinha uma namorada. Que palavra bonita de se dizer: NAMORADA. Companheira, parceira, cúmplice (no dia e na noite também, porque ninguém é de ferro...), enfim, namorada. Uma pessoa que o amava além de suas muitas imperfeições humanas. Uma mulher que acreditava que, daquele corpo de 1,70m e daquela alma machucada, brotavam, diariamente, infinitas razões para se apaixonar de novo e sempre. O emprego novo estava chegando, a cerveja agora era comedida. Ele era a prova viva do que os poetas de todas as gerações insitiam em dizer: "quando não houver mais chances, uma mulher virá para sacudir a vida do homem." E assim se fez. Amém.

Estava fazendo um mês de namoro oficial, com direito a bênção da sogra e tudo o mais. Seu coração pedia uma comemoração, um toque de romantismo. O que fazer? O que dizer pra essa mulher que está mudando minha vida?

Ensaiou um texto pequeno, mas sincero. Talvez sua primeira carta de amor. Com o resultado em mãos, se envaideceu de suas própria palavras. Pensou também em chocolates. Melhor, que tal flores? Seria um golpe de misericórdia na mulher! Que alma feminina resiste a uma carta acompanhada de flores? Estava decidido: ia encontrar a moça na porta do seu cursinho, munido de uma carta, um vaso de flores e o seu coração na bandeja e de bandeja pra ela. A noite seria perfeita!

Mas, espera aí: o coração na bandeja? Entregue, assim, de mão beijada? Ele não era disso, meu Deus, o que estava havendo? Vinte e três anos de pura rocha inabalável, e, já no primeiro mês de namoro, ia entregar o jogo dessa maneira? Dizer que estava apaixonado? Que a amava? E as centenas de pessoas que estariam ali, na porta do cursinho, o que iam pensar daquele marmanjo com flores nas mãos, em plena segunda-feira? Um idiota, no mínimo. Num o melhor coração que alguém pode entregar a outra pessoa é um "s2", de fato, seria uma cena do século passado.

Não! De jeito nenhum! Nada de carta, nada de flores, nada de amor! Apenas a cara, a coragem e o coração em pulos (mas esse, tudo bem, ninguém ia enxergar mesmo).

Dada a hora do encontro, ele escovou os dentes, molhou os cabelos negros, pegou as chaves e se olhou no espelho: nada nas mãos. Durão, como sempre foi. Do jeito que ela aprendeu a gostar dele. Mas os olhos, ainda assim, estavam angustiados. Por que era tão difícil aceitar que o amor havia chegado e que estava fazendo tão bem para ele? Por que não deixar ela saber de tudo isso?

Impossível prever. Mas, das três uma:

- o amor era seu ponto fraco, e nesse mundo só sobrevivem os fortes.

- o amor representava, para ele, insegurança. E, nesse mundo, só sobrevivem os seguros de si.

- a carta e as flores eram espada e escudo para enfrentar essa guerra chamada amor. E, como bom cavalheiro, ele queria levar o primeiro golpe desarmado.

Golpe certeiro. Infalível. Bem no peito. Mas ele ia sobreviver.

Afinal, nos dias de hoje, ninguém mais morre de amor.