O meu querido avô, Lourival de Souza, 93 anos, a alma mais pura (e talvez a última!) que pisou nesse mundo, me deixou na quarta-feira de noite.
Quando recebi a notícia, meu primeiro pensamento foi: “Que merda! E agora, como vou entregar o trabalhão de Jornalismo Organizacional do jeito que eu quero? Todo perfeitinho? Todo redondinho? Poxa, vô!”
E fui para Curvelo à contra gosto. Eu fui consolar e abraçar minha desolada mãe a contra gosto. Eu fui dar o adeus para meu avô, que tanta lição me deixou nessa vida, a contra gosto.
Tudo porque eu não ia conseguir entregar um trabalho de Jornalismo Cultural como eu queria.
Eu não senti a morte do meu avô. O máximo que a tristeza me fez foi um par de olhos marejados durante a procissão do enterro, de mãos dadas com minha mãe sem chão.
E tudo porque eu queria entregar um trabalho de Jornalismo Organizacional perfeito.
E cheguei em Belo Horizonte hoje, sexta-feira. Passei o dia todo fazendo esse trabalho. Tirando palavras de onde não tinha nem pensamento, buscando inspiração onde não tinha nem seca.
Andei pelos quatro cantos dessa cidade, peguei ônibus, desci de um ônibus que bateu no meio do caminho, num momento onde não podia perder nem um milésimo de segundo. Fui na Emater não para trabalhar, mas ara pegar a parte do trabalho que lá estava. Fiquei duas horas sentado no banco de uma gráfica para imprimir um libreto de 12 páginas coloridas. Saí de lá faltando 40 minutos para entregar um trabalho que já sabia, não ia sair NADA parecido com o que eu queria. Ia sair uma bosta.
Cheguei em casa, terminei às pressas os retoques finais do trabalho que já não tinha minha cara, meu cheiro, minha vontade. Corri para a faculdade e o entreguei.
Entreguei para um secretário do coordenador de curso, sozinho, porque o professor não pôde esperar. Entreguei o trabalho trinta minutos atrasado.
E ao chegar em casa, louco para suspirar de alívio, de felicidade, de gozo... eu estava oco. Completamente vazio.
O meu trabalho de Jornalismo Organizacional me custou duzentos e quarenta reais. Duzentos e quarenta reais. Com esse dinheiro, eu pagaria quatro sessões atrasadas com meu terapeuta. Eu compraria umas cinco calças. Eu compraria uns oito DVDs. Eu compraria com folga o Box do Erasmo Carlos que tanto quero dar para papai de Natal.
Eu compraria o mundo!
Eu só não compraria UMA coisa.
Eu não compraria o passado. Eu não compraria uma nova chance de chegar ao velório do meu avô, olhar para seu rosto sereno, de paz, e me lembrar momentos felizes que passei com ele na minha infância esquecida. Eu não compraria a oportunidade de ver minha mãe aos prantos e poder consolá-la, como um filho deve consolar uma mãe. Eu não compraria a chance de ser pelo menos uma vez na vida a fortaleza da minha fortaleza. Eu não compraria o momento de poder chorar sinceramente por um homem simples, que criou dez filhos com o suor de sua testa e os calos de sua mão. Um homem que tinha a terra como amiga e companheira, terra essa que nós seres humanos do século XXI não valorizamos como valorizamos o Facebook. Um senhor que já enfrentou uma onça, já rezou as doze palavras retornadas, já esteve de frente com o tinhoso na sua mocidade, que se casou com minha avó porque sua amada não quis com ele fugir...
Eu não compraria saudade...
Eu buscava no meu trabalho de faculdade a perfeição. Paéis escritos impossíveis de se encontrar um defeito sequer. E nessa minha guerra cega comigo mesmo, não estive atento para enxergar que uma das últimas perfeições desse mundo havia partido, e é por ela que eu devia sentir, que eu devia perder meu sono. É por ela que eu devia me preocupar, porque era ela quem eu nunca mais veria nessa vida...
E meu avô, que sempre transbordou sabedoria, até depois de partir, deixou uma lição para este neto perdido: a perfeição está em amar as pessoas.
Nos dias que meus entes mais próximos mais precisaram do meu amor, eu só o dei para mim mesmo. Para o meu trabalho de Jornalismo Cultural. Como se ele fosse parte de mim. Como se ele fosse mostrar para os outros quem sou ‘eu’.
E no fim, ninguém se importou.
E no fim, eu não despedi como se deve de um avô.
E no fim, acho que eu finalmente aprendi a quem e a que devo dar valor.
E lá no fim, eu ainda quero encontrar com Sô Louro, e dizer tudo que nunca disse pra ele.
Pra começar: “Vô, eu te amo.”
Esse texto é para o senhor Vô, de quem eu herdei muita coisa e de quem me orgulho. Para sempre na minha alma um exemplo do que é SER humano.
Rafael Soal
Nenhum comentário:
Postar um comentário